Karine Padilha é artista multidisciplinar e graduanda em psicologia na faculdade CESUSC (FLNSC). Atualmente trabalha com psicologia e arte, realizando pesquisas e prestando atendimento no CEPSI – Centro de Produção de Saberes e Práticas Psicológicas (FLNSC).
1. Aqueles que caem
Eu escrevo para os homens que
não sabem ler
Mas desconfiam
Do que dizem os poemas.
Eu escrevo porque tenho urgência de enunciar aquilo que a palavra não segura, que não é letra nem vocábulo, que não cabe no espaço
Que é o outro não visto, e bem conhecido.
Eu escrevo porque há um declive não mapeado no mundo
Não um lugar, mas um jeito de cair
Que derruba os desconhecidos a cada segundo
Eles desabam pra sempre
Desabam a sós
Sem ler os poemas
De boas novas
Por que os poemas
de boas novas
Não são feitos
para aqueles que caem
E é, também, porque posso cair,
que eu escrevo.
2. A memória do coração
A manhã, o bambolê, os pés, o vento, o dito, que também foi visto, e os olhos dos outros sorrindo. A beleza desorganizada que é a vida.
“Quantos anos tens?”
“Os que ainda restam viver”
“E quanto vives?”
E quanto vives?
E quanto vives?
O eco, o silêncio, o filme que a passagem registra e que ninguém poderá assistir na cabine anecoica do que é a memória do coração.
Congela o mundo no que vês agora e toma como teu retrato as coisas que enxergas.
A manhã, o bambolê, os pés, o vento, o dito, que também foi visto, e os olhos dos outros sorrindo. A beleza desorganizada que é a vida.
3. A palavra
Digo “cor” e a palavra desbota, porque é miúda e não sabe ser nada além de palavra; sustenta a memória da matiz mas não pode sê-la. Quando conta das lembranças, dá corpo ao vazio do que se fala. É oca, fraca, débil. Quer substituir as ausências e nomear os silêncios. Diz “luz” e acredita que fará iluminar. Padece de anunciar o que os olhos vêem. Quer guardar a flor, o ódio, as pessoas, o mar, os dizeres, tudo dentro da boca, como se se servisse do mundo e fosse capaz de prende-lo embaixo da língua e quando alguma coisa lhe escapasse, pudesse materializa-la novamente num timbre vocal.
4. As coisas do mundo
As coisas do mundo estão todas espalhadas
cercadas, escravizadas.
Foram cedidas e foram negadas
Negociadas
Esquecidas
Escondidas
Empoeiradas
Incendiadas
Esbanjadas
Suplicadas
Negligenciadas
Os donos das coisas do mundo
A troco do giro da manivela
Apossaram-se do tempo
– Que passa
Da vida
– Que passa
Agarraram-se com as mãos à terra, ao umbigo, às suas mulheres, aos seus pertences, aos seus chapéus e à ventania,
Porque do outro lado do muro os puxava a morte.
O
cabo
de
guerra
Da imortalidade:
O desespero de provar-se vivo pelo peso que se carrega
O pavor de sentir-se morto pela entrega.
As coisas do mundo,
Toda e cada coisa,
Consumida
Consumada
Não salva o homem do fim do homem
Não salva, no fim, o homem de nada.
5. O peso do mar
Quando olhamos para o céu, olhamos para baixo e o céu olha pra cima.
Quando as pessoas se dão conta disso elas caem para o céu e viram estrelas, elas contam os peixes do Volga com medo que o mar desabe.
O mar tem o peso da saudade.